Os Anos Loucos - Capítulo 3: Notícias de Paris

Durante as brincadeiras de Vita Sackville-West com Violet Trefusis, o marido de Vita, o diplomata Harold Nicolson, estava servindo na conferência de paz de 1920 em Versalhes. O fim da Guerra para Acabar com Todas as Guerras havia levado os Quatro Grandes ao Hôtel Crillon, com sua vista para o trânsito dos automóveis e carruagens de aluguel restauradas em torno do obelisco da place de la Concorde, para contendas sobre questionáveis promessas e tratados secretos, enquanto a Europa ia sendo recortada em um novo mapa. Sob os elegantes candelabros do Crillon, presidentes e primeiros-ministros desmantelaram dois impérios, depuseram quatro reis e constituíram três novas repúblicas. Os representantes da imprensa reuniam-se sob as arcadas no lado norte da praça: Paris se transformara no foco do noticiário internacional.

A censura terminou com o armistício. Os jornais franceses ampliaram suas edições diárias para além da página única imposta como medida de guerra para economizar papel. Já podiam alardear outra vez suas tendências políticas, com editoriais sobre reparações alemães e a anexação do Saar. Agências de notícias e jornais estrangeiros abriam sucursais o mais perto possível do Champs Elysées ou l'Opéra. Entre os que já estavam 'lá' e queriam permanecer na cidade favorita do pós-guerra, houve uma corrida frenética por nomeações para a American Relief Administration de Hoover, mas legiões de jovens esperançosos tiveram de se engalfinhar para arrumar um bico de jornalista na cobertura da conferência de paz.

Alguns focas transferiram-se da publicação Stars and Stripes, do exército americano, para as sucursais parisienses da Reuters, da United Press e da Associated Press. John Dos Passos e Vincent Sheean tomaram-se correspondentes estrangeiros nômades, com Paris como escala frequente ou cômodo quartel-general. Foi da sucursal do Philadelphia Ledger em Paris que Dorothy Thompson cobriu a conferência de paz. O capitão Walter Lippmann, que servira como oficial de propaganda com o general Pershing, tornou-se assessor de imprensa do presidente Wilson, com a esperança de elucidar para os leitores anglo-americanos seus Quatorze Pontos.


Um jovem irlandês interessado em arte, Arthur Power, saiu em busca dos pintores em seus estúdios (procurou-os de inicio em Montmartre, para descobrir que a maioria já havia migrado para Montparnasse), e com base nessas peripatéticas entrevistas abriu caminho para escrever uma coluna, 'Around the Studios', no Paris Herald. De modo bem semelhante, Elliot Paul conseguiu um lugar no mesmo jornal, onde escrevia notas 'Do caderno de um literato'. Harold Stearns chegou a Paris em 14 de julho de 1921, o dia da Independência francesa - uma comemoração com dança nas ruas e fogos de artifício as margens do Sena - que ele considerou adequado a sua própria declaração de Independência da América. Logo na primeira ida ao hipódromo, Stearns acertou o vencedor do Grand Prix de Paris, circunstância que a seu ver foi significativa também, pois ele se tornou o repórter de turfe 'Peter Pickem', da edição parisiense do Chicago Tribune.

Era uma época, ainda assim, de atropelo e sorte: não era fácil arranjar emprego. Desesperando-se, Matthew Josephson pendurou a aliança da mulher na caixa municipal de penhores, Le Mont-de-Piété, pouco antes de conseguir um lugar numa folha turfística que circulava em inglês, The Paris Telegram.

Um jornalista do Meio-Oeste americano, James Thurber, fora incorporado ao exército nos últimos meses da guerra. Foi treinado como analista de códigos, recebeu ordem de embarcar e chegou a França dois dias depois da assinatura do armistício. Quando Thurber apresentou-se ao serviço no Hotel Crillon, seu comandante informou-o com indisfarçado sarcasmo:

"Eu requisitei uma Usta, e não um analista, de códigos."

Thurber era o décimo erro, na mesma quantidade de semanas. Não obstante, na confusão do laissez-jaire daqueles meses que se seguiram à guerra, deram-lhe permissão de ir ficando, ou disfarçando, com outros nove redundantes analistas de códigos, na chancelaria da embaixada americana, rue de Chaillot, 5. O homem de visão de Ohio tinha encontrado por acaso a sinecura ideal.

Finie la guerre era a canção das ruas do momento.

"As garotas arrancavam com avidez os quepes e botões das túnicas dos soldados americanos, pagando por eles com abraços e beijos, quando não com moeda mais quente."

Thurber acabou por receber ele mesmo uma moeda mais quente, quando deu, como disse, seu "primeiro passo em falso". A mulher era uma dançarina, Ninette, do Folies Bergére. Após uma longa separação, Thurber, como Cummings, tentou reencontrar seu primeiro amor - mas Ninette tinha se casado com outro soldadinho, viajado ao Meio-Oeste americano e regressado a Paris. Thurber, nesse meio-tempo se casara também; o encontro com Ninette fora inspirado por curiosidade e culpa: finie l'affaire, mas não seu caso com Paris.

O coronel McCormick, do Chicago Tribune, não resistiu ao desafio de lançar uma edição parisiense desse jornal para competir com arqui-rival James Gordon Bennett, que de há muito monopolizava o mercado do noticiário em inglês com seu Paris Herald. McCormick indicou David Darrah para dirigir a edição parisiense do Chicago Tribune, que por sua vez contratou jornalistas, como George Seldes e Vincent Sheean, para trabalharem para o novo diário. O terceiro jornal americano a abrir um escritório em Paris foi o Brooklyn Eagle, editado por Guy Hickok, no boulevard de la Madeleine.

A redação do Paris Herald era conhecida por sua equipe de esperanças literárias que sempre tinham na pasta um romance inacabado. Em sua segunda viagem a Paris, agora como civil Thurber também levou consigo o inevitável rascunho de um romance. Não conseguiu emprego no Paris Herald - havia uma longa lista de novatos a espera de uma vaga nos delírios de língua inglesa. Quando tudo já indicava que ele teria de voltar para os Estados Unidos com a nova noiva, Thurber finalmente convenceu David Darrah de que não era um poeta. Darrah vivia assediado por tipos a seu ver literários, querendo emprego no Tribune, e era de gente com experiência em dar manchetes de que ele precisava. Thurber fora repórter do Columbus Dispatch: foi contratado, por um salário de 12 dólares por semana, para começar na noite seguinte.

A seu lado ele encontrou trabalhando outro aspirante a romancista, William Shirer. Mais tarde Shirer confessou que abandonara toda a esperança de escrever ficção depois de ter conhecido os escritores expatriados Hemingway, Fitzgerald e James Joyce. Thurber também chegou à conclusão de que não era um romancista: jogou fora seu manuscrito inacabado para se concentrar nos textos curtos de humor pelos quais se tomou conhecido.

O magnata da imprensa James Gordon Bennett gabava-se para os próprios empregados: "Por 25 dólares por semana, compro a cabeça que eu quiser. " Para se vingar do magro salário - que só permitia uma vida marginal devido a taxa favorável do câmbio -, os repórteres tratavam as notícias um pouco como piadas, ampliando os tópicos mais triviais em extravagantes matérias ou inventando despachos não verificáveis. Após o fechamento dos jornais, os jornalistas dos diários estrangeiros (Paris era seu parque de diversões, o trabalho e o prazer tinham de andar sempre juntos) encontravam-se no Chien Qui Fume, em Les Halles, onde ainda havia animação e vida, com os vendedores de frutas e legumes sob as lâmpadas de arco das barracas do mercado. Nessa atmosfera agitada, entre caminhões buzinando e les forts levando engradados para os atacadistas, os repórteres trocavam anedotas e notas, tomavam sopa de cebolas e bebiam com prostitutas e carregadores, enquanto o resto de Paris dormia.

Os donos de jornais, que não hesitaram em apostar na crescente presença americana na França e estender para edições em Paris seu noticiário local, forneceram sem querer um canal para os talentos literários, com suas operações além-mar. Os correspondentes James Thurber e Janet Flanner passaram seus anos de aprendizagem como jornalistas em Paris, antes de dimensionarem seu trabalho pelas exigências mais altas da recém-criada New Yorker (Janet Flanner como a correspondente 'Genet' da revista em Paris); o estilo funcional da prosa jornalística contribuiu para aguçar a técnica romanesca de John Dos Passos e Ernest Hemingway; já Elliot Paul e Eugene Jolas usariam o trabalho em jornal como um ponto de partida para suas carreiras posteriores como editores e empresários do ramo. Ao ir pela primeira vez a Paris, William Bird chefiou a sucursal da Consolidated Press na rue d'Antin, mas deixou essa agencia para se tornar o proprietário expatriado da Three Mountains Press, numa tipografia em podia no cais d'Anjou. Desse modo, muitos repórteres e editores dos jornais baseados em Paris mover-se-iam das redações para produzir o que Ezra Pound definiu como literatura: notícias que sempre são notícias.

Ernest Hemingway tinha acabado de completar 21 anos quando Sherwood Anderson levou a um grupo de jovens escritores em Chicago as notícias de Paris. Para ganhar dinheiro e casar-se com sua noiva, Hadley Richardson, Hemingway estava editando um modesto órgão de empresa, The Cooperative Commonwealth. O jovem jornalista já trabalhara algum tempo no Kansas City Star e escrevera artigos e matérias, como colaborador, ganhando um centavo por palavra, para o Toronto Star. Nutria, contudo, uma ambição desmedida de escrever ficção: o trabalho em jornal foi sua primeira tentativa de uma carreira literária. Editar The Cooperative Commonwealth era uma tarefa sem graça e temporária, até que ele pudesse levar Hadley para a Europa em sua lua-de-mel: em antecipação da viagem, já trocava por liras italianas o salário que recebia.

A grande aventura na vida de Hemingway até essa época havia sido, como para tantos de seus contemporâneos, o serviço em ambulâncias durante a guerra recente. Ele escapara por pouco de explodir pelos ares na linha de frente italiana, durante a ofensiva austríaca no Piave em 1918. Pelo resto da vida carregaria as cicatrizes físicas, e também psíquicas, desse episódio. Hemingway comparava o trauma a sensação de encontrar a morte - a alma escapulindo do corpo como um lenço de seda que e puxado do bolso - para no instante seguinte ser devolvido à vida. Seus ferimentos foram tratados no Ospedale Rossa, em Milão, onde ele se apaixonou por sua enfermeira, Agnes von Kurowski. O que houve de extrema mente romântico entre os dois seria celebrado por Hemingway em seu segundo romance, Adeus às armas. Nessa história a heroína morre de parto, mas a triste verdade foi que o primeiro amor de Hemingway dispensou-o para casar-se com um oficial italiano.

A despeito das eventuais intrusões da realidade na sua busca do tempo perdido, Hemingway permaneceu um romântico no que dizia respeito a seu passado. A excitação original desse namoro adolescente subjugou qualquer ressaibo amargo quanta a um fim de romance. Ernest convenceu Hadley de que deveriam passar a lua-de-mel na Itália, onde o jovem soldado havia sido ferido de duas importantes maneiras. Ele conseguiu suprimir todos os pensamentos melancólicos que lhe haviam ficado de seu encontro com a morte. Fixou-se, em seu entusiasmo e imaginação, na glória de sua grande aventura.

Enquanto isso, Sherwood Anderson ia espalhando entusiásticas reportagens de Paris como um paraíso literário, o lugar ideal para um jovem autor lançar-se na carreira. A perspectiva de Paris deixou Hadley tão excitada quanta Ernest, e o plano italiano foi abandonado. (Mais tarde Hemingway voltou ao Piave, e observou: "Ir em busca de ontem é uma perda de tempo - se tiver de verificá-lo, volte para sua velha linha de frente.")

Anderson deu cartas de apresentação ao casal para Gertrude Stein, Ezra Pound e Sylvia Beach - todos americanos e três importantes fontes de influência e progresso na aprendizagem de um escritor. Na última noite em Chicago, Hemingway mostrou um lado simpático de seu caráter: ouvindo baterem, Anderson abriu a porta para aquele grandalhão sorridente e tímido. Querendo retribuir um gesto a seu próprio modo, Hemingway levara de presente para o escritor mais velho uma sacola de enlatados, dando-lhe a última reserva de comida que ele tinha guardado para a época de privação em Chicago.

Ernest Hemingway e a nova noiva tomaram o Leopoldina, um navio de transporte de tropas reformado, em sua dura travessia de inverno para a França. Ele levava consigo as cartas de Sherwood Anderson:

"Escrevo esse bilhete para apresentar-lhe meu amigo Ernest Hemingway, que está indo morar em Paris com sua esposa, e pedirei que ele o coloque no correio quando chegar lá..."

2 comentários:

Geraldo J. Costa Jr. disse...

Parabéns pelo Blog. Há muito tempo eu procurava por algo assim. Seguirei com o maior prazer.
J. Costa Jr. (http://passaaregua.blogspot.com)

ANALUKAMINSKI PINTURAS disse...

Ótimo e charmoso blog! Vou colocar em minha lista de links, para acompanhar... Abraços alados e leves!